quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência - Parte um...

"Inaugurações (1)

O Chefe estava nervoso. Andava de um lado para o outro.
- Nada para inaugurar, nada! Estes homens não fizeram uma única cadeira. Não há nada para inaugurar!
- Nem uma agulha, Chefe.
- Nem uma agulha para inaugurar - murmurou o outro Auxiliar. - Nem uma agulhinha!
- Nem uma assim - insistiu o Primeiro Auxiliar, juntando, expressivamente, o polegar e o indicador. - Nem uma assim! Assim!
- Nada!
Os dois Auxiliares estavam como que hipnotizados por aquela lengalenga.
- Nem o buraco de uma agulha se fez!
- Nada. Nem um buraco.
- Nem metade de uma agulha.
- Nem metade do buraco de uma agulha.
- Nada, nada!
- Basta! - gritou o Chefe. - Já não vos posso ouvir!
- Nós calamo-nos, Chefe.
- Tive uma ideia - exclamou, subitamente, o Primeiro Auxiliar.
- Bravo!
- A minha ideia é a seguinte: o Chefe já alguma vez veio a esta terra desagradável, friorenta, deserta, nojenta até, sob certo ponto de vista, mas tão prometedora?
- Eu? Claro que não. Você é louco?
- Ora aí está!
- O que é que está?
- Podemos inaugurar a sua presença nesta terra. É a primeira vez que o Chefe vem a este espaço. Isso não é extraordinário?
- Começo a gostar da ideia. E faz sentido.
- Nunca mais se fará nada de tão importante nesta terra!
- Não seja exagerado - murmurou o Chefe, enquanto quase se afogava de contentamento no seu próprio queixo.
- Talvez seja, então, de um de nós inaugurar a presença de Vossa Excelência nesta terra, Chefe. Que lhe parece?
- Eu mesmo vou inaugurar a minha presença nesta terra!!
- Não é fácil - disseram os dois Auxiliares em coro. - Inaugurar e ser a coisa inaugurada ao mesmo tempo...
Foi então que, levantando vigorosamente o queixo em direcção ao céu, o Chefe respondeu, de uma vez:
- Sou um homem que gosta de enfrentar as dificuldades.
E era, de facto..."*

*Gonçalo M. Tavares, O Senhor Kraus.

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